Crónica de Alexandre Honrado – O tempo de metamorfose em que não há amor

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Crónica de Alexandre Honrado – O tempo de metamorfose em que não há amor

 

Confesso que, com alguma pena minha, a frase que se segue já tem autor, aliás bem entregue à história dos melhores registos das ideias. É ele o poeta Pierre Réverdy e a frase, o poema, não se mede pelo tamanho, pois ganha vastamente em dimensão, e é assim: “não há amor, mas provas de amor”.

Pode dar-se a dimensão que quisermos a esta afirmação. Repita-se a mesma: “não há amor, mas provas de amor”. Pode gerar polémica, a sentença. Pode estimular o contraditório e, por absurdo, as contradições. Vivemos momentos patéticos em que é mais fácil procurar a contradição do que estruturar a dinâmica eficaz do contraditório.

Normalmente, quando falamos de certas matérias, como o amor, por exemplo, tendo a pretensão convicta de que sabemos alguma coisa sobre o assunto, fazemos figuras infelizes e detemo-nos à porta das nossas verdades, embrulhando-nos nelas e também nas mentiras, useiras nesta área, não sabendo ao certo como compor um eu decente no espelho de nós mesmos. Isso faz parte, felizmente, daquilo a que um filósofo – o Michel Onfray – chamaria a potência de existir.

Lendo a frase do poeta e passando em revista algumas das mais curiosas ideias de Onfray, posso refugiar-me na toca da impotência de existir que me cabe e que diz respeito a quase todos aqueles que eu conheço.

Escrevo agora sobre amor – e sobre a potência/impotência de existir.

Na semana passada deixava o meu mais intenso e libertário espírito deambular sobre a política nacional, panelinha de ingredientes, conversas de vizinhas, drama trágico onde os punhais se andam agora afiando, e as palmadas nas costas doem mais que facas enterradas, tudo porque se avizinham as eleições (momento agradável que é sempre antecedido pelo desentupir de algumas sarjetas, que alguns candidatos escrevem com a letra G, pelo alcatrão espalhado em alguns buracos mais visíveis, que alguns candidatos ajudaram a escavar, à mistura com abraços e beijinhos e visitas aos mercados e às feiras, com boinas e casacos regionais a condizer, já para não falar das botas, botins e alpargatas de boutique que se tiram rapidamente para pisar uma uva ou calcar um chão de chá ou de cevada).

É curioso que quando escrevo mais a sério recebo mais comentários… privados.            Os que discordam ou se calam ou dizem-me entredentes coisas que talvez pusessem em sopapos se a época fosse mais dos trauliteiros e menos de alguma democracia que nos resta. Não falo dos comentários saudáveis e inteligentes – do género: “usou uma palavra que nem parece das suas, assim a modos que um português do Brasil” -, mas de comentários enfermos, do tipo “devia mas era estar calado quando disse bem daqueles e mal dos outros”. Ora é nisso que reside exatamente esta crónica: na projeção de comentários que nunca chegam à ribalta e que a mim pouco aquecem; e à minha convicção de que a escrita é um lugar muito elevado onde não há amor, mas provas de amor. Em suma, o que me resta nesta potência/impotência de existir, neste tempo de metamorfoses e de desamor, onde se aguarda com paciência algo que nos traga o melhor de nós e do que podemos ser amorosamente.

 

Alexandre Honrado

 


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